Os anos pós pandêmicos trouxeram um foco muito maior às discussões sobre os modelos de trabalho e tudo o que envolve a definição e adesão de cada tipo. Ao longo de 2023, testemunhamos o grande dilema de retorno aos escritórios, e eu sou questionada todos os dias se o home office acabou.
À medida que vamos nos aproximando do final deste ano, vale a pena fazermos uma retrospectiva sobre erros e acertos e, principalmente, pensarmos quais são as expectativas sobre esse tema para o ano que vem, que ainda terá grande importância nas definições do futuro do trabalho.
Então escrevi este artigo para ajudar as empresas, líderes e profissionais a se prepararem para o futuro e para as algumas tendências que irão guiar e impactar o mundo dos negócios em 2024.
AQUI VAI A MINHA ANÁLISE E PERSPECTIVA SOBRE O QUE PODEMOS ESPERAR
Tendência #1 Os modelos remoto e híbrido irão surpreender na retomada
Um estudo conduzido pelo Boston Consulting Group e Scoop Technologies Inc., durante 03 anos, com 554 empresas, em diversos setores que empregam aproximadamente 26 MM de pessoas, identificou que as organizações totalmente remotas ou que permitem aos profissionais irem ao escritório quando quiserem, aumentaram sua receita em 21% entre os anos de 2020 e 2022, comparado a 5% de crescimento nas híbridas e totalmente presenciais.
A equipe da Scoop Technologies Inc., responsável pelo Flex Index, um relatório trimestral sobre trabalho flexível, identificou que empresas remotas e híbridas contratam duas vezes mais do que as presenciais. Críticos dirão que é rotatividade, mas o estudo mostra o contrário: trata-se de crescimento. Leia aqui.
Além disso, uma pesquisa conduzida pela Envoy com mais de 1000 executivos seniores mostrou que 80% deles se arrependeram da forma como conduziram o processo de retorno aos escritórios no período pós pandêmico, dado divulgado por diversos veículos de comunicação no Brasil e no mundo.
Esses resultados mostram que, sem dúvida, o trabalho remoto e flexível irá retornar com toda força, mas 2024 será só o começo dessa retomada, ainda haverá muita discussão e atrito até a institucionalização dos modelos.
Tendência #2 Líderes que souberem gerir e influenciar equipes remotamente serão os talentos muito disputados
Uma pesquisa feita pela Microsoft WorkLab em 2022, com 20.000 pessoas em 11 países, revelou que 85% dos líderes não confiam no desempenho dos seus colaboradores no trabalho remoto ou híbrido. Apesar disso, 87% desses funcionários acreditam que são mais produtivos em regimes flexíveis. No Brasil, a desconfiança dos tomadores de decisão é ainda maior, atingindo 88%.
Este fenômeno foi chamado de paranóia da produtividade pelo CEO da Microsoft e, curiosamente, nas pesquisas do Google, é um dos termos mais buscados, com 86 mil menções, indicando a importância do debate futuro sobre o assunto.
Por outro lado, alguns CEOs já compreenderam os benefícios do modelo remoto e não abrem mão. É o caso de Scott Farquhar, CEO da Atlassian, que afirmou que “o trabalho flexível permite que os funcionários gerenciem as crescentes pressões do custo de vida escolhendo viver em um local mais barato sem se preocupar em como isso pode afetar seu trabalho”. Não por acaso, a Atlassian acabou de ser eleita pela Fortune como a 16a melhor empresa para trabalhar no mundo, entre as top 25. E a razão para isso? A adoção do modelo de trabalho remoto e o estímulo à qualidade de vida.
O mercado brasileiro também tem ótimos casos de sucesso. Start-ups como a Cora, Sami e outras que mantiveram o trabalho remoto no pós-pandemia e estão redesenhando a forma de trabalhar para realmente usufruírem de todos os benefícios do modelo. Saiba mais aqui.
E as boas práticas não se limitam ao setor privado. Na última semana participei de uma roda de conversa em um evento organizado pela Sociedade brasileira de teletrabalho (SOBRATT), e dois outros participantes compartilharam exemplos fantásticos, que você pode assistir integralmente no link do YouTube:
- Roberto Pojo, Secretário de Gestão e Inovação do novo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, destacou os benefícios da gestão remota por resultados e a atração de talentos, a partir daa forma como esta conduzindo o trabalho na secretaria.
- Maria Lúcia Pizzotti, desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, enfatizou a sua abordagem de modernização do trabalho por meio da adoção da tecnologia, e do trabalho remoto, desde 2015, com base na gestão por confiança, e não controle.
Forçar o retorno aos escritórios devido a falta de conhecimento e experiência na gestão remota de pessoas representará, para as organizações, custos muito superiores aos de capacitar a força de trabalho para esses novos modelos. E nesse contexto, líderes preparados para o trabalho flexível valerão ouro. O talento mais promissor é aquele que aprende e se adapta ao futuro, não o que se prende ao passado.
Tendência #3 O ano de 2024 irá consolidar o papel estratégico do setor de RH
Durante minha pesquisa de mestrado na FEA-USP sobre ‘Práticas de recursos humanos e o trabalho em home office’, na qual entrevistei líderes de 03 grandes empresas multinacionais com sede no Brasil, constatei que o envolvimento intensivo de líderes e profissionais de RH nas definições de modelos de trabalho é fundamental para o êxito da modalidade.
Dados trazidos pela Gallup, uma instituição de pesquisa de opinião dos EUA, mostram que oito em cada dez diretores de RH são criteriosos ao avaliar a adoção dos novos modelos de trabalho e demonstram não possuir planos de diminuir a flexibilidade em 2024. E a crescente insatisfação por parte dos funcionários em resposta às discussões sobre o retorno ao presencial é uma preocupação latente desse setor. O que enfatiza ainda mais a necessidade de rever as práticas flexíveis adotadas dentro das organizações e reforçar as pesquisas e conversas sobre o assunto.
A área de Recursos Humanos vem buscando um papel mais estratégico há décadas e agora vive uma oportunidade de sentar na mesa de decisões. Entre outras agendas fundamentais, a definição de modelos de trabalho tem efeito direto na redução de custos, na motivação de pessoas, no aumento de engajamento e resultados, e, principalmente, na evolução completa dos negócios diante da transformação digital e das mudanças que estão ocorrendo na sociedade. Empresas cujas áreas de recursos humanos liderem as discussões sobre os modelos de trabalho terão uma curva de aprendizado muito mais rápida.
Tendência #4 O trabalho flexível irá se fortalecer e crescer de forma sustentável
Uma grande preocupação do mundo organizacional continua a ser a busca pelo equilíbrio entre as prioridades das organizações e dos funcionários. É por isso que empresas nos EUA, Reino Unido, Irlanda e Escócia começaram a testar, agora em 2023, a adoção da semana de trabalho com carga horária reduzida, e observaram bons resultados. Brasil, Japão, África do Sul, Bélgica e Irlanda são países que também já conduziram testes semelhantes e, em breve, Portugal se juntará a esses experimentos.
Apesar da crescente discussão sobre o assunto e o sucesso em alguns países, a adesão desse formato de trabalho, aqui no Brasil, enfrentará alguns desafios. O debate sobre a semana comprimida de trabalho aquece quando se pensa em práticas que melhorem a qualidade de vida dos profissionais, mas perde força em contextos com cultura organizacional ainda muito tradicional e inflexível.
Nos EUA, 20% dos empregadores já adotaram esse modelo e observaram que seus funcionários apresentaram menos esgotamento mental, aumento da produtividade, melhora na saúde de maneira geral e maior satisfação no trabalho. Uma outra pesquisa realizada por Antonio Pangallo, psicólogo e cientista na Qualtrics, com 36.872 funcionários em tempo integral ou parcial nos escritórios, em 32 países e 28 setores, mostrou que, um a três dias no escritório ou em casa, pode levar a um melhor engajamento, maior inclusão e maior intenção de permanência por parte dos colaboradores.
Em tempos de cuidado com saúde mental, a flexibilidade terá um papel fundamental para melhorar a qualidade de vida dos profissionais. Passar horas no trânsito todos os dias, ou 5 dias cheios por semana longe de casa e sem contato com a família, já não cabem mais no mundo moderno. As práticas flexíveis de trabalho propostas há décadas para melhorar a qualidade de vida dos profissionais se tornarão a única saída para resolver a equação, e as empresas que iniciarem o movimento em 2024 sairão muito na frente.
Tendência #5 O mundo é cada vez mais distribuído, e a tecnologia, uma aliada poderosa da produtividade
A disrupção causada pela pandemia nas práticas de trabalho como um todo mostrou que os recursos investidos na promoção, capacitação de profissionais e mudanças necessárias para a adaptação deste novo cenário pode ser muito menor, do que tentar restabelecer o status quo pré-pandemia. E, sem dúvida, a inovação e a tecnologia surgem como protagonistas neste processo.
A tecnologia pode ser uma aliada, e não substituta, quando utilizada para otimizar a produtividade. Ferramentas de colaboração virtuais, automação e a IA (inteligência artificial) generativa tem potencial para tornar a rotina de trabalho mais estratégica, produtiva e fluída. Também contribui para capacitar líderes e profissionais para se adaptar melhor a essa nova realidade, por meio da adoção do trabalho assíncrono e um uso mais estratégico de reuniões.
De acordo com Dan Schawbel, LinkedIn Top Voice, autor best-seller do New York Times e sócio-gerente da Workplace Intelligence, a IA generativa se tornará essencial e onipresente nos locais de trabalho em 2024 e pode, ainda, acelerar a adoção da semana de trabalho reduzida se usada adequadamente e como suporte em tarefas profissionais rotineiras.
E o empreendedor em tecnologia, filantropo e bilionário Bill Gates, ao ponderar os desafios da IA e nossa responsabilidade de utilizá-la de forma positiva durante uma entrevista recente para o podcast What Now? with Trevor Noah, sugere até que semanas de trabalho de 3 dias sejam uma realidade próxima devido ao ganho de produtividade permitido pela IA. Entenda melhor clicando aqui aqui.
Na corrida por participação de mercado, expansão regional e transformação digital, quem investir na tecnologia e mudar a mentalidade de gestão terá uma larga vantagem competitiva.
Tendência #6 A disputa por talentos irá se intensificar, e agora o maior concorrente será o empreendedorismo
A disputa por talentos no cenário profissional vem enfrentando um concorrente de peso: o empreendedorismo. Os novos modelos de trabalho, principalmente os que permitem maior flexibilidade e autonomia, estão guiando as decisões e os caminhos de profissionais. É inegável que a liberdade oferecida pelo empreendedorismo é um dos motivadores do êxodo do regime CLT para o PJ.
Uma matéria da Folha de São Paulo em novembro deste ano, divulgou uma série de pesquisas que demonstram que mulheres de todo o mundo estão deixando os empregos devido à redução da oferta de flexibilidade. Já o conceito de Soloprenour (que podemos traduzir como como Eupreendedor, uma pessoa que trabalha de forma 100% autônoma), surge como um movimento transformador para os próximos anos.
Uma pesquisa da Statista, divulgada pela Forbes, estima que, somente nos Estados Unidos da América, haverá um crescimento de 57% de Soloprenours entre os anos de 2017 e 2027, e em meio às razões, estão a redução nas barreiras para dar os primeiros passos no empreendedorismo, a oferta de tecnologia e o desejo de mais qualidade de vida e flexibilidade.
A competição por talentos agora vai além das ofertas salariais ou benefícios tradicionais, as chances de administrar melhor os seus horários, não perder parte do dia dentro do trânsito, ficar mais perto da família e escolher o seu local de trabalho, passaram a ser moedas valiosas nessa negociação.
Cada vez mais pessoas veem a oportunidade ou a necessidade de tomar as rédeas da sua vida profissional levando em consideração o desejo de autonomia Eu mesma passei por essa transição de executiva para empreendedora recentemente, e apesar dos desafios do empreendedorismo, não conseguiria voltar para o mundo corporativo e perder a liberdade que conquistei.
Neste contexto, as empresas que desejam atrair e reter os melhores talentos precisam repensar suas abordagens e oferecer ambientes de trabalho mais flexíveis, oportunidades de crescimento significativas e uma cultura que incentive a autonomia, confiança e colaboração.
Ao vislumbrar essas 06 tendências ficou mais claro para mim que temos muito chão pela frente quando tratamos de modelos de trabalho e flexibilização das práticas organizacionais. E a transformação continua a ser necessária!
Claro que há muitas limitações no Brasil devido ao baixo acesso de grande parte da nossa população à tecnologia e até mesmo à eletricidade. Mas usar a flexibilidade para dar acesso a emprego e renda a profissionais de todo o país pode trazer benefícios a uma parcela muito mais ampla da brasileiros, não somente trabalhadores do conhecimento.
O ano de 2024 promete muitas discussões e debates construtivos, e eu seguirei aqui pesquisando, produzindo conteúdo, provocando a sua reflexão e educando empresas e pessoas para gerar a mudança de forma sustentável, tornando o trabalho flexível uma realidade no Brasil!
Envie suas dúvidas, receios e boas práticas sobre trabalho flexível para contato@sylviahartmann.com.br para que eu possa te apoiar ainda mais em 2024!
Eu sou LinkedIn Learning Instructor & Top Voice. Mestra e pesquisadora. Palestrante e consultora de empresas na definição de modelos de trabalho e conexão de times distribuídos. Conselheira de Carreira. Apaixonada pelo mar e por esportes. Acompanhe meu conteúdo e faça parte da comunidade.
Quer saber mais sobre o tema? A ABRH-SP oferece um curso sobre “Navegando na era da flexibilidade – O papel estratégico de RH na implementação de modelos de trabalho” conheça clicando AQUI.
São Paulo, 18 de Dezembro de 2023