O Projeto de Lei nº 859/2023 tem suscitado discussões no âmbito nacional e motivado uma série de reflexões por parte do Comitê RH de Apoio Legislativo (CORHALE), braço legislativo do sistema ABRH em todo o Brasil. De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), o PL propõe revogar os dispositivos que flexibilizaram a contratação de empresas prestadoras de serviços, introduzidos na Lei nº 6.019/1974, em especial à possibilidade de terceirização da atividade-fim.
Após análises importantes, o CORHALE manifesta oposição em relação ao PL nº 859/2023. As propostas contidas neste PL, da mesma forma que Projetos de Lei do Senado antecedentes de conteúdo similar (PLS nº 249/2017 e PLS nº 339/2016), têm o intuito de limitar, expressivamente, o trabalho terceirizado no País, não apenas no que se refere à terceirização das atividades-fim, mas também das atividades-meio.
É importante observar que, da forma como foi elaborado, o PL nº 859/2023 cria exigências burocráticas complexas que poderiam dificultar a terceirização por parte de pequenas e médias empresas, com interferência sindical. Além disso, gera confusão em relação à “norma mais benéfica” e estabelece equiparação salarial inadequada. Há que acrescentar que o projeto também impõe obrigações às empresas contratantes para garantir o cumprimento das obrigações trabalhistas, cria uma presunção de fraude e torna a organização contratante responsável solidária por todas as obrigações, inclusive diante de falência da prestadora de serviços. Em caso de descumprimento das normas do projeto, são previstas sanções penais.
O PL, no entendimento do CORHALE, torna-se desnecessário, uma vez que as Leis nº 13.429/2017 e nº 13.467/2017 tratam das relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. A regulamentação sobre o assunto já está adequada e, portanto, não há justificativa para modificar as normas existentes, o que poderia gerar insegurança jurídica.
Da forma como se apresenta, o PL nº 859/2023 propõe um retrocesso às discussões que se travavam na fase pré-promulgação das Leis nº 13.429/2017 e nº 13.467/2017, que insistiam na divisão entre atividades-meio (passíveis de terceirização) e atividades-fim (cuja terceirização era vedada) e parte de equivocadas e retrógradas premissas de que a terceirização de serviços estaria associada à precarização da relação de trabalho e dos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados; a descentralização e desregulação da economia e da atividade empresarial levaria à redução de postos de trabalho e à informalidade, maior rotatividade do terceirizado no tempo médio de emprego; exploração de trabalhadores com escolaridade inferior aos trabalhadores regulares, que são pouco qualificados e mais vulneráveis no mercado de trabalho; maior taxa de mortalidade e acidentalidade dos trabalhadores terceirizados; benefícios, PLR e piso salariais seriam inferiores; enfraquecimento da atividade sindical; mercantilização da mão de obra; fraudes e discriminação do trabalhador terceirizado; e estagnação econômica.
O Projeto de Lei, assim como os que lhe antecederam, afronta princípios constitucionais que governam a atividade econômica no País. Neste aspecto, é possível elencar os princípios da livre iniciativa e o da livre concorrência, contemplados no artigo 170 da Constituição Federal. Também cabe aqui o argumento de que a terceirização foi regulamentada em sentido diametralmente oposto pela Lei nº 8.666/1993, permitindo aos órgãos públicos contratar serviços terceirizados por meio de licitação, seguindo os princípios de igualdade, competitividade, economicidade e transparência.
A terceirização de toda e qualquer atividade, conforme atesta pesquisa realizada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), é mundialmente aceita e, no caso do Brasil, com diversos dispositivos constitucionais que protegem os direitos trabalhistas, como os previstos nos artigos 7º e 8º da Constituição Federal.
Entre as ponderações apontadas pelo CORHALE, como “risco de desequilíbrio nas relações contratuais entre as tomadoras e prestadoras de serviços terceirizados”, “restrição excessiva”, “dificuldades de comprovação de exigência técnica”, “proibição de subcontratação de serviços”, “interferência indevida do sindicato”, “requisitos contratuais”, “aplicação das normas coletivas da contratante aos terceirizados”, “provisão financeira”, a análise deriva ainda para a “criminalização”. Neste ponto, vale destacar que o PL propõe a modificação do artigo 149 do Código Penal, com aumento de pena caso o crime de redução à condição análoga à de escravo seja praticado por meio de uma empresa que explore a terceirização de mão de obra. Esta alteração é injustificada, pois não torna a prática do crime mais ou menos reprovável quando ocorre por intermédio de uma empresa terceirizada. Isso é indiferente e irrelevante para a caracterização do crime previsto no artigo 149 do Código Penal.
Além de carecer de discussão e contribuições envolvendo entidades representativas de diversos setores econômicos, tais como CNI, Fiesp, Fenabam, Fecomércio e Sinsiprestem, o Projeto de Lei chama a atenção pela “insegurança jurídica”. Restrições excessivas e mudanças bruscas na legislação, como as que são propostas pelo PL nº 859/2023, podem gerar insegurança jurídica, afetando a confiança dos agentes econômicos e dificultando o planejamento empresarial.
Sob esta questão, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu importantes decisões relacionadas à terceirização em duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) e uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Na ADC 16 e na ADC 19, o STF reconheceu a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, ou seja, permitiu que as empresas terceirizem suas atividades principais, não apenas as atividades-meio. As decisões confirmaram que não há vedação constitucional à terceirização ampla, desde que observados os direitos trabalhistas dos empregados terceirizados. Na ADPF 324, o STF decidiu pela inconstitucionalidade de dispositivos da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993) que restringiam a terceirização de atividades ligadas à atividade-fim das empresas públicas e sociedades de economia mista. Com essa decisão, o Tribunal permite que essas entidades possam terceirizar não apenas atividades-meio, mas também atividades-fim, desde que observadas as normas trabalhistas.
Estas decisões representaram um marco na jurisprudência do STF sobre terceirização, conferindo maior segurança jurídica aos contratantes e estabelecendo parâmetros para a relação entre empresas e trabalhadores terceirizados. No mês de março deste ano, o Supremo Tribunal Federal emitiu decisões de grande relevância que ratificaram a validade dos contratos empresariais de franquias, regidos pela Lei nº 13.966/2019, diante de questionamentos levantados perante a Justiça do Trabalho, reconhecendo a constitucionalidade de relações de trabalho diversas daquelas previstas na CLT.
De forma contundente, na visão do CORHALE o PL nº 859/2023 revela-se desmedido, desconectado da realidade e representaria grave ameaça à economia brasileira, além de violar princípios fundamentais que regem a democracia, como a liberdade contratual, a flexibilidade empresarial e o princípio da livre iniciativa.
Escrito por Nadia Demoliner Lacerda – Membro do CORHALE.
São Paulo, 26 de junho de 2023.